Última alteração: 17-03-2017
Resumo
A contratação de préstimos de natureza espiritual, por se tratar de atividade vinculada à crença ou credo religioso, cuja liberdade é garantida pela Constituição Cidadã, deve passar por um crivo judiciário a fim de que seja realizada análise quanto à configuração do crime de estelionato, - para o qual se exige dolo específico, devendo ficar demonstrada a fraude, o engano ou o induzimento da vítima em erro- ou caracterização de mero negócio jurídico, de modo que a interferência estatal se limite ao primeiro caso, sob pena de cerceamento de direitos fundamentais. Neste diapasão, impende salientar que a curiosidade inata ao ser humano, não raras vezes, incita os indivíduos a procurarem pretensas cartomantes, videntes e demais sujeitos prestadores de trabalhos espirituais, a fim de submeterem-se às suas manifestações esotéricas, sem que disso resulte, necessariamente, algum prejuízo aos destinatários. Contudo, há casos nos quais os referidos agentes, percebendo a vulnerabilidade em que se encontra a pessoa que solicita seus préstimos espirituais, se valem de manipulações psicológicas, com o escopo único de provocar um impacto na psique da vítima, para que esta se desfaça de parte de seu patrimônio, no intuito de afastar o presságio negativo. Assim, o referido estudo está sendo realizado no afã de identificar as hipóteses em que as condutas praticadas por sedizentes prestadores de trabalhos espirituais, se amoldam à previsão do artigo 171, caput, do Diploma Penal, clamando, pois, por uma interferência do Estado, no sentido de promover a responsabilização criminal de seus agentes ativos. Para tanto, a metodologia a ser adotada será a dedutiva, que se efetivará por meio de análise doutrinária, constitucional, legislativa e jurisprudencial, a fim de viabilizar uma compreensão mais ampla do fenômeno em comento. Em derradeiro, registra-se que, na elaboração da pesquisa em apreço, até o momento, pode-se inferir a respeito da existência de uma divisão de entendimento jurisprudencial no que concerne à adequação típica das práticas consistentes em trabalhos espirituais solicitados pela pretensa vítima, consoante a qual, ora a referida conduta é amoldada à previsão contida no artigo 171, do Código Penal, ora é classificada como mero negócio jurídico. Contudo, foi possível depreender que os julgados do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado e do Superior Tribunal de Justiça são uníssonos no sentido de reconhecer o crime de estelionato quando verificada a existência de coação psicológica em relação vítima. Conclui-se, assim, que a compreensão consolidada nos tribunais e cortes superiores, sugere a necessidade de se efetuar um sopesamento dos valores envolvidos no caso em vertente, de modo que sempre prevaleça o interesse público na aplicação da lei penal, quando verificado que a situação fática sujeita a julgamento configura uma prática criminosa.