Última alteração: 23-10-2012
Resumo
Este pôster apresenta minha pesquisa de doutorado em antropologia social, que resultou na escrita da tese “Por cima do mar eu vim, por cima do mar eu vou voltar: políticas angoleiras em performance na circulação Brasil-França”. O objetivo da pesquisa foi o de compreender como as práticas da capoeira Angola adquirem sentidos políticos para seus praticantes em contextos tão diferentes quanto o Brasil e a França. Vinda de uma trajetória de bailarina contemporânea, desenvolvi uma abordagem peculiar do método etnográfico através do cruzamento entre os saberes, práticas e procedimentos da antropologia e os da dança, resultando no que chamei de uma etnografia desde o corpo. Incluí então o aprendizado da capoeira Angola como recurso metodológico não apenas de entrada em campo, mas tomando o que acontece no corpo como dado de análise e recurso reflexivo. Através das noções-chave de corporeidade, segundo Thomas Csordas, corpo-consciência, elaborada por José Gil, e de performance, de acordo com Victor Turner e Richard Schechner, entendo a experiência corporal como constituição do sujeito no mundo e do mundo no/para o sujeito. Assim, minha própria experiência foi o caminho para me relacionar com meus interlocutores capoeiristas e para compreender os mecanismos através dos quais esta luta em forma de dança constrói uma percepção específica do mundo no corpo dos praticantes. Sendo uma luta enquanto é jogo, um jogo enquanto é dança, uma dança enquanto é luta, a capoeira não faz questão de se definir mas, antes, lança mão de sua qualidade de permanente mutação e movimento para deslizar entre diferentes categorias conforme o contexto. Experimentar corporalmente a capoeira Angola, em linhas gerais, é vivenciar um mundo pautado pela circularidade, pela tridimensionalidade, pelo trânsito, pelo que pode ser o seu reverso no momento seguinte ou, antes, conter sempre seu reverso em si mesmo. Vinda de uma matriz estética e ética afro-referenciada, nesse processo de formação de um corpo angoleiro a capoeira promove uma diluição de dicotomias – corpo-mente, brancos-negros, estético-político – fundantes do pensamento ocidental. Essa vivência tem seu ápice no enquadramento performático da roda de capoeira, onde se sucedem encontros entre dois jogadores, animados pelos sons dos berimbaus, pandeiros, agogô, reco-reco e atabaque. A diferença é valorizada, e o conflito é percebido como o motor do movimento, como o encontro entre esses dois jogadores – duas intensidades – que interagem para trazer à existência esse mundo afro-referenciado. A partir dessa vivência, cheguei na ideia da capoeira como uma filosofia performática da diferença: uma maneira de ser-no-mundo que não nega o conflito mas propõe uma maneira indireta de lidar com ele, proporcionando brechas através das quais diferentes modelos podem ser equacionados, buscando um avanço criativo frente a dissimetrias historicamente instituídas.